O novo registro dos contratos de treinadores profissionais de futebol: Comentários e reflexões.
- Felipe Tobar
- 11 de ago. de 2017
- 8 min de leitura

Fernando Tonet, primeiro técnico inscrito no BID em 2017. (Foto: Ailton Cruz /Gazeta Alagoas)
Em 1994, a seleção brasileira de futebol conquistava o seu tetracampeonato mundial após vencer na disputa de pênaltis a esquadra azurra comandada por Roberto Baggio.
Um ano antes, em 20 de abril de 1993, o então Presidente da República, Itamar Franco, publicava a Lei n. 8.650, que trazia em seu preâmbulo a previsão de dispor sobre as relações de trabalho do Treinador Profissional de Futebol, entre outras providências.
Dentre os nove artigos da lei, um em especial (artigo 6º) determinava a todos os clubes de futebol do Brasil, registrarem o contrato de trabalho do treinador profissional, no prazo improrrogável de dez dias, no Conselho Regional de Desportos e na Federação ou Liga à qual o clube ou associação fosse filiado.
Entretanto, passados quase 24 anos, ou cinco edições da Copa do Mundo FIFA, nenhum contrato havia sido registrado pelos clubes brasileiros junto às entidades competentes. Foi necessário que ocorresse a morte do ex-treinador Caio Júnior, em acidente envolvendo a delegação da Chapecoense, dirigentes e jornalistas esportivos, para que a Confederação Brasileira de Futebol, ciente da ausência de seguro de vida para o competente profissional, tomasse providências de forma a corrigir essa inaceitável omissão.
Assim, a partir da vigência da Circular n. 08/2017 [1], assinada pelo Diretor de Registro, Transferências e Licenciamento de Clubes, Reynaldo Buzzoni, e direcionada aos Presidentes das Federações estaduais filiadas à CBF, sob a justificativa de “fomentar o esporte que todos cultivamos” e, com a aprovação dos clubes participantes do Campeonato Brasileiro das Séries A, B e C nos Conselhos Técnicos realizados no mês de fevereiro do corrente ano, foi implementado o sistema de registro do contrato de treinadores de futebol, proporcionando a cada profissional o seguro de vida e de acidentes pessoais, concedido, inicialmente, apenas aos atletas profissionais de futebol.
Fernando Tonet, treinador do Parnahyba-PI, em 12 de abril, foi o primeiro profissional da classe a ter seu contrato profissional de treinador de futebol registrado no Boletim Informativo Diário (BID) da Confederação Brasileira de Futebol. O trâmite do registro, simplificado após o envio pela CBF aos clubes brasileiros do “Guia Rápido para Registro do Contrato do Treinador de Futebol”, é impulsionado pelas equipes contratantes através do sistema “Gestão Web”, em que se realiza o cadastro das informações do contrato do novo profissional, enviando em seguida às federações estaduais, as quais tem a faculdade de cobrar dos clubes interessados a denominada “taxa de registro” [2].
Uma vez quitada à taxa, profissionais da federação estadual analisam o pré-registro das informações enviadas pelo clube, cabendo à CBF dar publicidade ao registro do contrato e de todas suas informações, publicando-o no Boletim Informativo Diário (BID).
Com a adoção do registro, ao menos em tese, garante-se ao treinador profissional de futebol ser contratado de acordo com as determinações legais, evitando, por exemplo, contratações sem prazo de vigência pré-estipulado e até mesmo ajustes salariais puramente verbais.
O novo sistema criado pela CBF passou a observar o teor do artigo 6º da Lei do Treinador de Futebol, o qual estipula que, “na anotação do contrato de trabalho na Carteira Profissional deverá, obrigatoriamente, constar o prazo de vigência, o qual, em nenhuma hipótese, poderá ser superior a dois anos”.
Em razão de a legislação nada tratar sobre o prazo mínimo do contrato de trabalho profissional do treinador, a Confederação Brasileira de Futebol agiu e decidiu determinar dito período. Assim, no momento em que o clube acessa o sistema “Gestão Web” para realizar o cadastro do contrato do treinador, não é possível indicar prazo de duração do contrato inferior a três meses.
Imaginamos que referido prazo provavelmente foi decidido em uma espécie de equiparação ao tempo mínimo de contrato do atleta profissional de futebol, estipulado no artigo 30 da Lei Pelé (9.615/98) e no artigo 7º do Regulamento Nacional de Registro e Transferências de Atletas Profissionais da CBF.
Tal postura adotada pela maior entidade do futebol brasileiro merece elogios já que concedeu a proteção que a Lei do Treinador de Futebol Profissional omitiu-se em realizar, e que a CLT, em se tratando sobre o contrato de experiência e seu prazo mínimo também quedou silente [3].
Outro fator importante a ser ressaltado é a anotação no contrato de cláusulas gerais que trazem as obrigações contratuais ordinárias a serem cumpridas pelo clube e pelo treinador. Novamente conferindo atenção à lei federal específica que regula a atividade do treinador de futebol, notadamente aos artigos 4º e 5º, a CBF ainda ampliou o rol de direitos e deveres das partes envolvidas.
É possível esquematizar as obrigações de ambas as partes da seguinte forma:
1. Obrigações do Treinador a) Reportar-se à administração do clube sempre que demandado;
b) Treinar os atletas das equipes indicadas pelo clube, ministrando-lhes técnicas e regras de futebol, de acordo com as normas que regem a tática, a disciplina e a ética desportiva, com o objetivo de assegurar-lhes conhecimentos táticos e técnicos necessários ao exercício de suas atividades;
c) Estar presente nas competições, treinamentos diários, estágios de treinamentos, viagens, convocações e coletivas em hora e local previamente acordados com o clube;
d) Participar ativamente dos esforços para obtenção de resultados positivos para o clube;
e) Não participar de quaisquer competições alheia ao clube, salvo mediante autorização expressa do clube;
f) Obedecer e cumprir fielmente as disposições da legislação desportiva e obrigações decorrentes deste contrato, dos estatutos e dos regulamentos do clube e das entidades superiores de administração do futebol; e
2. Obrigações do Clube
a) Proporcionar condições para o treinador desempenhar suas atividades, com higiene e segurança no trabalho;
b) Pagar-lhe salário fixo ou variável dentro dos prazos legais; e
c) Pagar todas as despesas nos períodos de concentração, bem como durante as excursões, incluindo-as despesas relacionadas à viagem, hospedagem e alimentação.
Ademais, destaca-se a possibilidade da inclusão de cláusulas extras, as quais poderão se resumir a premiações por vitórias, títulos ou acessos de divisão; pagamento de auxílio moradia e/ou transporte; entre outros pactos que irão depender da realidade do clube contratante e da importância do treinador contratado.
Há que se destacar que, em caso do clube ficar impedido temporariamente de participar de competições, por infração disciplinar ou licença, nenhum prejuízo poderá advir ao treinador, que terá assegurada sua remuneração contratual. No caso do impedimento ser definitivo, inclusive por desfiliação do clube, dar-se-á a dissolução do contrato com as consequências previstas na legislação trabalhista.
Com efeito, percebe-se que os treinadores de futebol passaram a gozar de direitos que há duas décadas haveriam de ter sido garantidos pelos clubes contratantes, especialmente os relacionados aos benefícios advindos da assinatura de um contrato especial de trabalho, como a anotação do valor salarial, de um prazo mínimo de duração para desenvolvimento de seus conhecimentos, e também do direito de receberem na eventual demissão, o pagamento da metade do montante que receberiam até o fim do contrato [4].
Dentro dessa “nova realidade” do futebol brasileiro, quiçá possamos constatar em médio prazo, a diminuição dos casos de demissão nos primeiros meses de trabalho de muitos treinadores, ainda que tal afirmação soe como utópica neste momento.
Nesse sentido, em razão do afrouxamento e total desrespeito a aplicação da lei específica do treinador de futebol, e, sobretudo, pelo fator imediatismo que prepondera na gestão dos clubes, conforme evidenciou Ivan Perez, jornalista do jornal mexicano “El Economista” em conjunto com a “Mxsports”, o Brasil é o país que mais demitiu treinadores na primeira década do século.
Neste estudo que analisou o período entre 2002 e 2011, em 10 ligas consideradas importantes (05 na América do Sul e 05 na Europa), dos dez times do mundo que mais demitiram, sete são do Brasil. O primeiro colocado, Fluminense, entre treinadores interinos e fixos, utilizou 41 profissionais. Acompanharam a lista, Náutico com 39, Flamengo com 38, Vitória com 37, Atlético Paranaense com 35, Sport Clube do Recife com 33, Vera Cruz e Querétaro, ambos do México com 31, e, Grêmio (Brasil) e Racing (Argentina) com 26 treinadores [5].
Engana-se quem imagina que esse cenário tenha se alterado. Em pesquisa realizada por Davi Barros, do site especializado GloboEsporte.com, apenas no ano de 2016, os vinte clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, registraram a incrível marca de 50 treinadores, tendo sido apenas o Santos Futebol Clube a permanecer com o seu treinador desde o início da disputa [6].
Neste ano, como apurou Matheus Jofre, jornalista do Jornal “Notícias do Dia”, de Florianópolis (SC), sequer o time da Vila Belmiro manteve o treinador que juntamente com outros 15 colegas de profissão do Campeonato Brasileiro da Série A, já realizaram a famosa “dança das cadeiras”[7].
Em que pese se deve considerar um avanço a criação do registro de contratos de treinadores profissionais, pois, concordamos com as palavras de Buzzoni, para o qual “o registro para os treinadores é um passaporte esportivo para esse profissional, que terá todo o seu histórico de trabalho preservado. É uma certeza de que no futuro direitos básicos, como a previdência, seja comprovado”[8], o fato é que não é razoável e igualmente compreensível a não inclusão da obrigatoriedade do registro dos contratos dos demais membros da comissão técnica, tendo em vista que mesmo realizando trabalho igualmente importante ao do treinador de futebol, continuam desprotegidos, não apenas em relação ao seguro de vida e acidentes pessoais, mas também por uma legislação específica que estabeleça seus direitos e deveres.
Logo, os profissionais envolvidos com um futebol sério não podem continuar aceitando a incrível morosidade que acompanha a evolução da gestão do futebol brasileiro e de suas mais variadas vertentes.
É urgente que a classe dos treinadores em conjunto com as organizações associativas dos profissionais integrantes de comissões técnicas, tais como Auxiliares Técnicos, Preparadores Físicos, Preparadores de Goleiros, Analistas de Adversário e Desempenho, Massagistas, Fisioterapeutas e outros profissionais, passem agora a lutar pela criação de contratos de trabalho específicos e pelo consequente registro no sistema CBF.
A tão ventilada “especificidade do futebol” merece ser nesse momento invocada, de modo que esses últimos profissionais não sejam também obrigados a aguardar mais cinco edições de Copa do Mundo FIFA, para finalmente usufruírem dos benefícios atualmente oportunizados aos comandantes das equipes do esporte bretão.
Felipe Bertazzo Tobar
Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade pela Univille. Advogado desportivo. Coordenador de Processos na Secretaria de Esportes de Joinville. Professor da pós-graduação em Direito Desportivo da FMU/SP. Autor de obras e artigos científicos.
[1] Circular n. 08/2017. Disponível em: <http://cdn.cbf.com.br/content/201704/2017040 7162230_0.pdf>. Acesso em: 07 jul. 2017.
[2] A título de exemplificação, a Federação Catarinense de Futebol cobra dos clubes profissionais a ela filiados, o valor de R$ 300,00 (trezentos reais).
[3] Importante destacar que entendimentos jurisprudenciais apontam que o contrato de experiência tem como prazo mínimo o período de 15 dias, pois, desta maneira, o empregado tem assegurado o direito à 1/12 de 13º salário e 1/12 de férias, quando da rescisão contratual.
[4] Este último direito deriva da observância do artigo 7º da Lei do Treinador de Futebol, o qual dispõe que se aplicam ao Treinador Profissional de Futebol as legislações do trabalho e da previdência social. Desta forma, na ausência de norma específica, há de se observar o artigo 479 da CLT, que determina: “Nos contratos que tenham termo estipulado, o empregador que, sem justa causa, despedir o empregado, será obrigado a pagar-lhe, a título de indenização, e por metade, a remuneração a que teria direito até o termo do contrato”.
[5] PÉREZ, Ivan. El Economista: DT en México, un empleo de siete meses. Disponível em: <http://eleconomista.com.mx/deportes/2014/10/06/dt-mexico-empleo-siete-meses>. Acesso em: 08 jun. 2017.
[6] BARROS, Davi. Levir Culpi tem razão ao dizer que Flu é o que mais demite? Checamos. Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/futebol/times/fluminense/noticia/2016/11/levir-culpi-tem-razao-ao-dizer-que-flu-e-o-que-mais-demite-checamos.html>. Acesso em: 08 jun. 2017.
[7] JOFFRE, Matheus. Queda de Mancini na Chape dobra número de técnicos demitidos até a 11ª rodada. Disponível em: <https://ndonline.com.br/florianopolis/esportes/queda-de-mancini-na-chape-dobra-numero-de-tecnicos-demitidos-ate-a-11-rodada>. Acesso em: 07 jul. 2017.
[8] GLOBOESPORTE.COM. CBF vai registrar contratos de trabalho de treinadores. Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/cbf-comecara-a-registrar-contratos-de-trabalho-de-treinadores.ghtml>. Acesso em: 07 jul. 2017.
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