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Assédio moral e sexual nas relações de trabalho desportivas

  • Leila Barreto
  • 26 de mai. de 2017
  • 6 min de leitura

O problema do assédio na relação de trabalho acumula registros desde o século passado. Na década de setenta, após o período de revolução sexual e das mudanças de costumes relacionadas ao comportamento, a sociedade começou a discutir as questões sexuais em diversos âmbitos, dentre eles o ambiente de trabalho.


O comportamento humano, no ambiente de trabalho, tende a ser diferenciado em relação ao contato e interação social. Um exemplo disso, é que, quando há uma diferença entre cargos, a hierarquia, através do exercício do poder, contribui como um dos fatores característicos a ocorrência do assédio.


O exercício do poder, para muitos, inclui a possibilidade de adoção de condutas superiores hierárquicas que venham carregadas de conotação sexual com o intuito de humilhar ou aproveitar-se de uma situação que deixe o empregado em uma situação embaraçosa.


No Brasil, com o passar dos anos, o número de processos ligados a questões de assédio cresceu cada vez mais. Diante disso, em 2009, o Ministério do Trabalho lançou uma cartilha sobre “Assédio Moral e Sexual no Trabalho”, com o intuito de identificar casos e condutas que caracterizam assédio, para que estas venham a ser combatidas e eliminadas nos ambientes de trabalho.


Sem constituir exceção a essa dura realidade, no contrato especial de trabalho desportivo, o CETD, o assédio também se faz presente.


A entidade de prática desportiva, as ligas e as entidades de administração do desporto, segundo o que prevê o artigo 16 da Lei nº 9.615 de 1998, “são pessoas jurídicas de direito privado, com organização e funcionamento autônomo”.


Sendo assim, com base no que prevê o artigo de lei, podemos concluir que o atleta, na condição de empregado, pode figurar como assediador ou assediado, bem como as ‘entidades de prática desportivas, enquanto empregadoras, podem figurar como assediadas ou assediadoras quando a prática acontecer por meio ou em desfavor de um dos seus representantes ou empregados vinculados.


Para a Organização Internacional do Trabalho - OIT, o assédio vem a ser considerada uma modalidade de discriminação quando praticado através de meios que afetem pessoas ou grupos no intuito de distinguir ou dar um tratamento diferenciados em razão de sua cor, origem étnica, sexo, orientação sexual, nacionalidade, religião, deficiência, entre outras condições. Ademais, a OIT entende também que o assédio é uma prática de violência no ambiente de trabalho, por desobedecer os princípios de promoção ao trabalho decente, respeito mútuo e combate à discriminação. E essa violência pode ser perpetrada de diversas formas, seja psicológica, seja física, seja sexual ou até mesmo verbal.


No meio desportivo, o assédio moral pode ser caracterizado através da conduta abusiva que, repetidamente, venha a atentar contra a dignidade ou integridade de uma pessoa, seja essa integridade física ou psicológica. E a forma de praticar essa conduta se dá na ameaça de emprego ou no desequilíbrio de tratamento para desestabilizar o clima do ambiente de trabalho.


Disso, extraímos que o assédio moral acontece diante da conduta dolosa do agente, ou seja, quando o faz, faz com o objetivo de acertar o alvo, de criar um dano à parte assediada, não sendo possível falar ou tentar caracterizar o assédio moral sem intenção, ou seja, na modalidade culposa. Havendo a conduta dolosa e de forma repetitiva, tem-se o ato abusivo caracterizado por parte do assediador.


Assim, quando um treinador, representando o empregador, decide que um atleta profissional da sua equipe, sem nenhum motivo específico, deve treinar com atletas das categorias de base ou mesmo, em separado, muitas vezes sem bola, o principal instrumento de trabalho, com o intuito de prejudicar o seu desempenho, a sua competitividade e preparo diante dos rivais, estamos falando da caracterização da conduta de assédio moral no meio desportivo.


O treinador nesse exemplo é um superior hierárquico que se aproveita de seu poder de superioridade para agir de forma abusiva diante dos poderes disciplinares que lhe são reconhecidos (posição hierárquica verticalizada). Sem embargo, importa salientar que o assédio pode vir em outras duas formas: horizontal e ascendente.


Na forma horizontal, o assédio moral pode vir a ser praticado por pessoas do mesmo grau hierárquico, ou seja, colegas de trabalho que praticam condutas que violam a integridade física e psicológica do atleta. Isso pode acontecer quando individualmente ou em grupo, são iniciados tratamentos desrespeitosos e humilhantes em razão de cor, origem étnica ou até mesmo por conta da orientação sexual do atleta, o que nos remete aos casos de racismo, xenofobia e homofobia. Nesses casos, diante do dever de manter um equilíbrio no ambiente de trabalho, a entidade de prática desportiva também será responsável diretamente pela prática de assédio moral.


Ainda, tem-se o assédio descendente, que é o assédio praticado pelo empregado contra o empregador. É comum acontecer quando há promoção de um colega de trabalho a cargo de chefia e os seus colegas de trabalho, que passam a ser hierarquicamente inferiores, acreditam que o promovido não possui méritos suficientes para a conquista.


Finalmente, a título de curiosidade, importa indagar: Quando o torcedor, que é um terceiro a relação contratual, pratica uma agressão verbal ou física a um atleta por entender que este atuou de forma que não agradou, estaremos diante de um caso de assédio moral? Respondemos ser difícil a configuração nesses casos, todavia se o empregador, ora clube, nada faz diante de situações como esta e atua de forma negligente, sem combater ou garantir a segurança externa do atleta, deverá sim ser responsabilizado por assédio moral.


A título de ilustração, um dos casos mais famosos de assédio moral é o do jogador Felipe que acusou o Corinthians de afastá-lo dos treinos sem justo motivo, em horários diferenciados em relação a equipe principal e sem acesso ao campo. Quando uma entidade assim se comporta, o atleta tem a sua autoconfiança minada, sendo prejudicado moralmente perante os demais atletas de igual condição física e esportiva.


Uma outra prática preocupante no meio ambiente de trabalho é o assédio sexual. O assédio sexual pode ser praticado de diversas formas. AS práticas mais comuns decorrem de comentários sexuais proferidos por colegas de trabalho ou superiores hierárquicos, a aproximação indevida e, finalmente, a ameaça física ou verbal em troca de obter favores sexuais.


Faz-se importante destacar que esse é um dos principais motivos para o afastamento da atividade desportiva por parte de atletas do sexo feminino. Não só das atletas, na verdade. O afastamento ocorre por parte das atletas, das técnicas ou de pessoas capacitadas para atuar em gestão administrativa também. Além das barreiras e da predominância masculina nesse mercado, é no assédio sexual que encontramos um dos principais motivos para que as mulheres se afastem do meio.


Os relatos de assédio sexual poderiam ser maiores. Um dos motivos pelo qual essa denúncia é praticamente rara decorre do fato que a sociedade ainda recebe esse tipo de relato com certo estigma, com julgamentos preocupados em culpabilizar a vítima e questionar os motivos que levaram ao assédio.


No entanto, mesmo com todos esses obstáculos, as denúncias aparecem e aparecem em diversas modalidades. Há alguns anos, a nadadora americana Deena Schmidt, campeã olímpica pelos Estados Unidos, relatou o abuso sexual que sofreu na década de 70 praticado pelo seu treinador. Após o relato, diversos casos começaram a aparecer e serem diagnosticados pelo comitê americano.


Patrik Sjoberg, medalhista olímpico de salto em altura representando a Suécia, também já veio a público para relatar abuso sexual sofrido no início da carreira.


No Brasil, temos casos famosos relacionados. Em 2007, a nadadora Joanna Maranhão denunciou que, no início da sua carreira, sofreu abuso sexual por parte do seu treinador da época. No caso de Joanna, a repercussão foi tão grande, que até uma lei foi editada à época para tratar desse tipo de crime quando relacionado ao esporte.


Outro caso famoso no Brasil foi o da jogadora de vôlei Gisele Porto, que atuando pelo time de vôlei do Flamengo, denunciou o técnico Sérgio Negrão.


Bom, de todos esses exemplos, podemos constatar que o assédio no meio desportivo é praticado, na sua maioria, por homens em relação a mulheres, e também na maioria das vezes, por técnicos ou dirigentes em relação a atletas. Tudo isso sem contar com os casos de pedofilia que também são corriqueiros e já foram denunciados por diversos atletas, mas esse tema trataremos em momento específico.


Preocupado com o crescimento dos relatos de assédio no meio desportivo, em 2007, o Comitê Olímpico Internacional, o COI, publicou uma “Declaração de Consenso sobre Assédio Sexual e Abuso no Esporte”.


Nessa declaração, o próprio comitê elencou motivos de risco que dão chances a prática do assédio. Dentre eles, merece destaque a ausência de proteção do atleta, que na maioria dos casos se encontra em estado de vulnerabilidade, a alta motivação do assediador e a ausência de campanhas de conscientização e trabalho interno para a prevenção desses acontecimentos.


Há muito que se falar sobre o tema. Acreditamos que esse será o primeiro artigo de muitos que virão. É um assunto que deve ser debatido e esclarecido cada vez mais na tentativa de diminuir, coibir a sua prática e eliminar a sua incidência no meio ambiente trabalhista desportivo.


Faz-se necessário que mais e mais campanhas sejam realizadas, que sejam esclarecidos todos os pontos e todas as ocorrências que caracterizam o assédio, que tanto os atletas quanto a comissão técnica e dirigentes estejam dispostos a trabalhar para na erradicação dessa prática nas suas entidades.


E mais: que sejam incentivadas as denúncias e que as condutas machistas e resultantes da sociedade patriarcal que vivemos não sejam aceitas como desculpas, mas como forma de exemplo para punir e combater esse mal.


Com luta, reflexão e a tentativa de construção de uma sociedade melhor, as consequências serão as melhores possíveis. Desde o meio ambiente de trabalho desportivo saudável, até a prática esportiva pautada no respeito e na igualdade.


Diga não ao assédio.

Leila Barreto

Advogada, pós-graduanda em Direito Desportivo pela UCAM/ICF, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela faculdade Damásio de Jesus, Coordenadora Científica de Direito Desportivo da ESA-OAB/SE e auditora do pleno do TJD do Futebol em Sergipe.

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