Estatuto do Torcedor completa 14 anos
- Convidado
- 5 de jun. de 2017
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No último dia 15 de maio, a Lei nº. 10.671/2003 completou 14 anos. Mais conhecida como o Estatuto de Defesa do Torcedor, a lei cuida das normas de proteção ao torcedor, regulamentando sua interação com as associações responsáveis por eventos esportivos e as entidades de prática desportiva no que se refere à transparência e segurança no exercício das liberdades de “torcer” e apoiar.
A norma foi alvo de alterações legislativas em 2010 e 2012 (Leis nºs. 12.299/2010 e 12.663/2012), que trouxeram uma série de avanços para a proteção do torcedor. Podemos citar como exemplo a definição da torcida organizada (art. 2º-A) e a obrigatoriedade do cadastro de seus membros ou associados, medida que se destina a facilitar a identificação em caso de violação de norma e a previsão de condições para o acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo (art. 13-A). O destaque se dá à inclusão do Capítulo XI-A do Estatuto, que prevê os crimes relacionados aos eventos desportivos (arts. 41-B a 41-D) e trata desde a prática ou incitação à violência até a venda de ingressos a preço superior ao estampado no bilhete, em referência à popular figura do “cambista”.
Apesar dos avanços, a realidade brasileira ainda se encontra aquém das expectativas criadas quando do surgimento da legislação. A identificação dos responsáveis por eventual descumprimento da norma é ainda escassa e precária. É verdade que por meio da modernização dos estádios de futebol para a Copa do Mundo FIFA de 2014, bem como por conta do crescente investimento nas transmissões dos eventos esportivos e identificação dos “brigões”, houve certo avanço nesse aspecto. Contudo, devemos nos lembrar que existem outras práticas desportivas sem o mesmo investimento e que, igualmente, estão sujeitas a episódios violentos e, mesmo dentro do futebol, não é esta a realidade global.
O confronto entre torcidas organizadas dentro e fora dos estádios de futebol ainda resiste às mudanças. Segundo o professor Maurício Murad - pesquisador há 26 anos sobre o tema e autor do livro “Para entender a violência no futebol” - o Brasil é o país onde mais morrem torcedores em função de brigas entre torcidas. Para termos ideia, entre os anos de 2014 e 2015, apenas 3% dos delitos praticados no âmbito do desporto foram efetivamente punidos. Neste período, medidas como a “torcida única” (São Paulo) e a separação das organizadas (Ceará) foram experimentadas, todavia, sem o sucesso esperado.
Neste ano, o projeto de lei da Câmara nº. 12/2017, de autoria do Deputado Federal André Moura (PSC-SE), prevê a inclusão do art. 39-A ao Estatuto. Segundo proposta, a torcida organizada envolvida em tumulto ou ação de violência relacionada a eventos esportivos, estará impedida (incluindo os seus associados ou membros) de comparecer em eventos esportivos pelo prazo de até cinco anos. A medida guarda relação com a previsão já contida no §2º do art. 41-B do Estatuto, que prevê pena substitutiva de impedimento de comparecimento às proximidades do estádio.
Ao nosso ver, a proposta legislativa, ainda que fundamentada em boas intenções, não é suficiente.
O problema é muito mais profundo e complexo. A bem da verdade, a cultura legislativa brasileira consistente na criação de novos tipos penais e no aumento das penas tem se mostrado notoriamente ineficiente. Para efeito de resposta ao clamar social, a atuação policial e a individualização punitiva nos parece ser o melhor caminho.
Enquanto não houver maior rigor na apuração dos crimes praticados por torcedores, com a identificação e responsabilização penal efetiva - a exemplo do que ocorreu na Inglaterra nos idos de 1990 - o problema se perpetuará, causando dor e sofrimento às famílias brasileiras. Não por acaso, a presença de espectadores nos espetáculos desportivos diminui a cada ano, o que demonstra que a violência nas praças de desporto é um mal que atinge também os interesses econômicos neles envolvidos.
Que possamos contribuir para a melhoria dos nossos eventos desportivos, o que trará maior atenção e desenvolvimento a este segmento tão importante em nossa sociedade.
Renato Morad Rodrigues
Advogado, graduado pelo Centro Universitário de Bauru - ITE e Pós-graduando em Direito de Família e Sucessões pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Atuo no âmbito do Direito Civil e Previdenciário. Pesquisador Independente nas áreas de Direito Constitucional, Civil e do Desporto.
BRASIL. Lei nº. 10.671, de 15 de maio de 2003. Dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 16 de maio de 2003. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.671compilado.htm> Acesso em 10 de maio de 2017.
_______. Projeto de Lei da Câmara nº. 12, de 11 de janeiro de 2017. Altera a redação da Lei nº. 10.671, de 15 de maio de 2003, que dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor, para ampliar o prazo de impedimento de que trata o art. 39-A, estender sua incidência a atos praticados em datas e locais distintos dos eventos e instituir novas hipóteses de responsabilidade civil objetiva de torcidas organizadas. Disponível em <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=500208&disposition=inline> Acesso em 10 de maio de 2017.
DOLZAN, Márcio. ‘Estamos enxugando gelo’, diz Murad sobre a violência no futebol. O Estado de São Paulo. São Paulo, 09 de abril de 2016. Disponível em < http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,estamos-enxugando-gelo--diz-murad-sobre-violencia-no...> Acesso em 10 de maio de 2017.
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