TEMOS UM JOGO (DE MENINAS)!
- Guilherme Charles
- 9 de jun. de 2017
- 5 min de leitura

"Com o passar dos anos, nós mulheres, temos conquistado (aos poucos) diferentes espaços. E o meu espaço favorito dentro desses facilmente é o campo de futebol americano. Saber e ser a prova viva de que o fato de ser mulher não muda em nada minha capacidade enquanto atleta e head coach é gratificante. Nós somos determinadas, inteligentes, lutadoras, sonhadoras, e totalmente capazes. A cada dia escrevemos uma nova história, conquistamos mais uma jarda. Há praticamente 3 anos tenho o prazer de fazer parte dessa história, junto com tantas outras, em diferentes cidades, estados e países, cada uma com suas lutas e suas conquistas. Mas sabe, no final das contas, a melhor parte é saber que o campo é o meu lugar. É o nosso lugar. E o jogo é tão nosso quanto é de qualquer outro." (Ester Alencar)
Touchdown, Field Goal, Fumble, First Down... Talvez as expressões não sejam perfeitamente conhecidas pelo público no Brasil, mas certamente a recente popularização do futebol americano no Brasil por meio da transmissão dos jogos da National Football League, a NFL, tornou tais passagens do jogo mais familiares ao ouvido do brasileiro.
A maior divulgação do esporte, no entanto, é feita quase que exclusivamente por meio da NFL e das partidas do College Football, que envolve as equipes universitárias dos Estados Unidos. Sua prática no Brasil, aos poucos, vai ganhando adeptos, mas ainda bem longe de ter o nível e o reconhecimento presentes na terra do Tio Sam, que tem o Superbowl (a partida final da temporada nos EUA) como um dos principais eventos esportivos do mundo.
Até aqui, certamente o leitor que já teve algum contato com o esporte se recordou do New England Patriots de Tom Brady ou do Green Bay Packers de Aaron Rodgers. Porém, fica aqui o desafio a quem se lembrou de ter visto, em algum veículo de imprensa nacional, qualquer abordagem sobre o futebol americano feminino. Sim, as mulheres também jogam! No Brasil também!
Pra saber um pouco mais como é a realidade do futebol americano feminino no Brasil, o Direito no Esporte conversou com a Ester Alencar, que é Presidente, Head Coach e Quarterback do Curitiba Silverhawks, a primeira equipe feminina independente (ou seja, desvinculada de equipes masculinas) do Sul do Brasil. O time, fundado em 2017, é fruto de projetos anteriores desde 2014, mas que sempre estiveram vinculados à estrutura de times masculinos. A escolha de se tornar um time exclusivamente feminino não foi simples, levando em consideração a busca por autonomia da marca, das decisões a serem tomadas e da utilização dos recursos, em detrimento da possibilidade de utilizar os locais de treinamento das equipes masculinas.

Composto por atletas, que por vezes também se dividem como dirigentes e técnicas, o Curitiba Silverhawks participará do Campeonato Brasileiro de Futebol Americano Feminino de 2017. Disputado por seis equipes (além do Silverhawks, participam o Brasília Pilots, Spartans Football, Vasco Patriotas, Fluminense Cariocas e o Sinop Coyotes, atuais campeãs), o torneio é organizado por uma Liga composta pelos próprios times, que definem os rumos da competição por meio de um grupo no Whatsapp. Apesar da quantidade de times ser pequena, há uma grande dificuldade logística para organizar o campeonato: divididos em dois grupos, as equipes jogarão uma partida como mandante e outra como visitante – quando jogar em casa, a equipe custeia a arbitragem e as despesas operacionais da partida; quando a partida é fora, a equipe arca com as despesas de viagem e hospedagem de toda a delegação.
O esporte em si já representa um grande desafio para seus praticantes, tendo em vista a gama de jogadas e as variações possíveis no jogo. Além disso, há uma série de outros obstáculos a serem superados pelo Silverhawks para o Brasileiro. Em primeiro lugar, há a questão de estrutura para os treinamentos. Os equipamentos básicos para a prática são o helmet (capacete) e os shoulder pads (ombreiras), além da bola oval; sem eles, os treinamentos e as partidas são inviáveis. Entretanto, o custo para aquisição destes é elevado se comparado a instrumentos indispensáveis para a prática de outros esportes.
Há dificuldades em relação aos locais de treino da equipe, que utiliza o Parque Barigui, parque público de Curitiba, para realizar seus treinamentos durante a semana. Essencial no andamento da partida, que consiste no avanço de dez jardas a cada quatro jogadas, a noção do espaço dentro de campo é adquirida conforme o entendimento de cada atleta, não se tendo uma perspectiva real da jogada dentro do contexto do jogo. Para isso, a equipe precisou agendar treinamentos em datas disponíveis em outro local, apto para receber jogos de futebol americano.
Outro grande desafio encontrado pelas meninas do Silverhawks é a questão financeira. As atletas contribuem mensalmente com uma taxa de manutenção, mas o valor ainda é pequeno para as necessidades do time. De acordo com a Presidente da equipe, estima-se em cerca de R$ 30.000,00 o valor necessário para custear a viagem até Sinop (MT), na partida a ser disputada contra o Sinop Coyotes. A equipe já entrou com o processo de obtenção de CNPJ para buscar a captação de recursos por meio da Lei de Incentivo ao Esporte e de patrocínios privados, sempre prezando pela valorização da marca da equipe e da seriedade do projeto. Atualmente, há um projeto de crowdfunding (financiamento coletivo) no qual o time busca angariar recursos para alcançar seus objetivos no ano.
Nada, porém, parece desanimar o Silverhawks. Nem os desafios administrativos e estruturais, tampouco a estranheza com que as pessoas enxergam a prática do futebol americano pelas mulheres. Ester conta que, desde pequena, teve na figura de seu irmão a fonte de inspiração e amor ao esporte. Ela diz que, por ser um esporte predominantemente físico, há um estereótipo que cerca os seus praticantes, o que faz as pessoas custarem a levar a sério o fato de mulheres também jogarem. É interessante o fato que a única diferença de regra entre o jogo masculino e feminino é o tamanho e peso da bola, sem diferença nos outros aspectos (inclusive de contato entre os atletas). Contudo, Ester diz que nunca sofreu resistência dentro de casa para praticar o esporte – inclusive, sua mãe é uma de suas comandadas no time – e conta com o apoio das equipes masculinas de Curitiba.
Ester conta também que seu maior objetivo ao capitanear o projeto não é apenas ganhar jogos. O empoderamento feminino e a contribuição para a formação de caráter das atletas por meio do esporte são alguns dos objetivos traçados com o projeto. Respeito, confiança e superação são princípios tomados como fundamentais para o desenvolvimento das atividades cotidianas da equipe, especialmente quando o principal fator de motivação é a paixão pelo que se faz e o incessante desejo de aprimoramento pessoal.
Quem desejar contribuir com o projeto do Silverhawks pode curtir a página do time nas redes sociais, comprar rifas organizadas pela equipe e fazer doações diretas. Também há cotas de patrocínios para empresas que tenham o interesse em ter sua marca vinculada a este projeto. O próximo passo é a abertura do CNPJ para que se possa buscar a arrecadação de recursos por meio da Lei de Incentivo ao Esporte, o que seria um grande suporte para o desenvolvimento da equipe.
É sob este panorama que o Curitiba Silverhawks busca se destacar no cenário nacional, não só como equipe de futebol americano feminino, mas como uma iniciativa que visa trazer mulheres para um esporte predominante masculino e que ainda encontra resistência para encontrar praticantes.
Guilherme Consul Charles
Advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, pós-graduando em Direito Desportivo pela UCAM/ICF, assistente administrativo jurídico no Coritiba Foot Ball Club, procurador do STJD da Liga Nacional de Basquete e fundador do Grupo de Direito Desportivo da UFPR.
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