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Sociedade Anônima do Futebol ou Desportiva

  • Gabriela de Cássia
  • 9 de abr. de 2017
  • 8 min de leitura


Tramitam, no Congresso Nacional, dois projetos de lei e há um anteprojeto que tratam de uma nova figura jurídica no direito societário brasileiro: a sociedade anônima do futebol (projeto de lei 5.082/16) ou sociedade anônima desportiva (projeto de Lei Geral do Esporte e anteprojeto de Lei Geral do Futebol).


Isto vem em consequência de anos de debate sobre a figura do chamado “clube empresa”, muito comum na grande mídia, e da necessidade de profissionalização do esporte como um todo. Tal debate vem em consequência de o esporte ter deixado de ser visto como somente um lazer ou atividade física, mas, também, como um produto a ser comercializado. O clube empresa é a defesa de que as entidades de prática desportiva (clubes) se organizem, juridicamente, como sociedades empresárias.


Por razões históricas de uma época em que os esportes não movimentavam todo o dinheiro que hoje giram, no Brasil, a maior parte dos clubes tem o formato jurídico de associações.

Entre outros problemas, as associações, pelo Código Civil, possuem fins não econômicos. O que não significa que não possam ter dinheiro, mas que o dinheiro obtido após todos os pagamentos necessários não pode ser distribuído entre os associados, como lucro. Os dirigentes também não são remunerados.


A estrutura jurídica adequada para obtenção de lucro é a de outras pessoas jurídicas: as sociedades. Dentre elas, temos as sociedades empresárias, que têm estrutura empresarial e, sim, executam uma atividade econômica, no mercado. Ou seja, aqui, temos o formato correto para previsão e distribuição de lucro.

Costumo dizer que a legislação é um cardápio de restaurante, em que há vários pratos, cada um com seus ingredientes, temperos e sabor diferentes. Os pratos são as espécies de sociedades empresárias, cada uma com suas características peculiares. As mais utilizadas no país são a sociedade por quotas de responsabilidade limitada (a famosa LTDA) e a sociedade anônima (S/A ou Companhia). A sociedade anônima é usada, geralmente, para grandes negócios, por ter uma estrutura complexa.


Após esta pequena introdução, podemos comentar as principais mudanças que o projeto de lei 5.082/16 nos traz. Ele foi apresentado no Congresso pelo deputado federal Otávio Leite (PSDB/RJ), a partir de trabalho dos advogados Rodrigo Monteiro de Castro e José Francisco Manssur, da área societária e desportiva. O outro projeto e o anteprojeto incorporam todo este primeiro, com alguns acréscimos.


Já há figuras societárias esportivas específicas em outros países, a exemplo de Alemanha, Inglaterra, Itália, Espanha, França, Portugal, Colômbia e Chile. Em Portugal, por exemplo, há um sistema híbrido. O clube permanece como associação e as sociedades desportivas podem ser anônimas ou unipessoais por quotas. As participações sociais das sociedades desportivas consubstanciam, no caso das sociedades anônimas, ações de categoria A e de categoria B e, no caso das sociedades unipessoais por quotas, quota indivisível que pertence integralmente ao clube fundador.


Para que possam participar em competições profissionais, deverão, no momento da constituição, ter um capital social com o valor mínimo de € 1.000.000,00, caso sejam anônimas, ou € 250.000,00, sendo unipessoal por quotas (em competições desportivas na 1ª Liga); e capital social mínimo de € 200.000,00, caso anônimas, ou € 50.000, caso unipessoal por quotas (2ª Liga), dentre outras regras.

Voltando ao caso brasileiro, dentre os pontos de destaque do projeto de lei 5.082/16, temos:


1- Forma de constituição

Ela poderá ser criada de várias formas: uma associação que se transforma em sociedade anônima desportiva; um clube que decide separar clube social e criar a S/A para administrar o esporte profissional; pessoas físicas ou jurídicas que assumam direitos de um clube existente e criem a S/A; um clube já no formato de sociedade empresária que resolve migrar para esta nova S/A.


2- Capital social

O capital social é o primeiro “patrimônio” da sociedade. Ele é formado pela contribuição dos acionistas e pode ser formado em dinheiro ou bens que possam ter avaliação em dinheiro. Estes bens devem ser avaliados por uma empresa especializada, com experiência neste tipo de atividade. A preocupação é que essa avaliação permita que se confirme o valor dos bens, para que seja realista.


3- Acionistas

Aqui, temos várias possibilidades. Ações são as frações do capital social adquiridas pelos sócios (acionistas). Podemos pensar em uma pizza, com várias fatias. Cada fatia corresponde a um grupo de ações e seu tamanho vai depender da vontade das pessoas. Quanto maior a fatia adquirida, mais será pago e, caso venha a existir, o lucro será correspondente, e vice-versa.


Podem ser acionistas: pessoa física residente no Brasil ou pessoa jurídica ou fundo de investimentos, constituído segundo as leis brasileiras e que tenham sede aqui. Uma regra importante é: a pessoa jurídica ou fundo que tiver participação igual ou superior a 10% do capital deverá, em 5 dias, informar à S/A e comunicar ao público o nome da pessoa física que seja sua controladora. Isto vem ao encontro de uma possível preocupação dos torcedores: quem seria, por trás de tudo, esta pessoa que quer participar da S/A?


4- Ações

Lembra das fatias? No caso das sociedades anônimas em geral, temos várias espécies. O projeto de lei 5.082/15 aproveitou algumas. Temos: ações ordinárias e ações preferenciais.

As primeiras são as que dão direito a voto a quem as adquire (sabem aquelas reuniões de novelas e filmes? Geralmente representam as deliberações do Conselho de Administração e/ou Diretoria, órgãos de gestão interna das sociedades anônimas). As últimas dão um “plus”, uma preferência (por exemplo, preferência no recebimento de dividendos), e podem dar ou não direito a voto.

No caso da S/A desportiva, o projeto dispõe que o número de ações preferenciais sem direito a voto não pode ultrapassar 50% do total de ações emitidas. Um ponto interessante: as ações ordinárias poderão ter uma ou mais classes. É como se estivéssemos em uma festa, e os convidados tivessem categorias diferentes: cada classe corresponderia a uma cor diferente de pulseira. Pois bem. O projeto estipula, necessariamente, que haverá ações ordinárias de tipo Classe A, criada para o clube que constituir a S/A desportiva.


5- Deliberações

O clube pode ser o único acionista ou, se quiser, pode entrar no mercado de capitais (aquele povo gritando nas Bolsas de Valores representa a negociação de ações das sociedades anônimas de capital aberto) e, assim, captar outros acionistas investidores e dividir o controle acionário da S/A.


Um caso famoso ocorreu com o Bayern de Munique, da Alemanha. O clube criou uma sociedade anônima e, inicialmente, era o seu único acionista. Depois de um tempo, permitiu a entrada de outros três sócios: Adidas, Alianz e Audi. O desenho ficou: 75% com o Bayern e os outros 25% com as três. No Borussia Dortmund, outro time alemão, o clube social ficou com 5% das ações, 35% com investidores e 60% disponibilizado na bolsa de valores.

No projeto, enquanto o clube detiver pelo menos 10% do capital social, certos assuntos, quando foram decididos, precisarão de sua concordância. Por exemplo, atos de reorganização interna (fusão, cisão, incorporação, transformação, por exemplo).


Enquanto detiver, ao menos, UMA ação Classe A (aquela comentada no item 4), a deliberação de alguns temas exigirá, também, o voto afirmativo do clube. São situações como: modificação dos signos identificativos da equipe (símbolo, brasão, marca, alcunha, hino, cores) e mudança da sede para outro município.


6- Demonstrações financeiras

Um tópico relevante para maior confiabilidade destas novas sociedades é a previsão de que as demonstrações financeiras (as contas, grosso modo) serão auditadas por uma empresa de auditoria com registro na CVM – Comissão de Valores Mobiliários. A CVM é órgão do governo federal que fiscaliza, normatiza, disciplina e desenvolve o mercado de capitais. E a mesma empresa de auditoria não poderá auditar as demonstrações financeiras por mais de cinco exercícios consecutivos. Demonstra uma preocupação com a transparência, moralidade e profissionalismo, além de credibilidade no mercado.


7- Conselho de Administração e Conselho Fiscal

Enquanto o primeiro toma as decisões, este fiscaliza o que foi realizado. Ao contrário da sociedade anônima tradicional, que permite a administração por Conselho de Administração ou Diretoria, ou ambas, aqui, há a exigência dupla. O projeto prevê, obrigatoriamente, a existência de Conselho de Administração, Diretoria e Conselho Fiscal. Poderá o estatuto social (quando nós nascemos, não precisamos da Certidão de Nascimento? Nas sociedades anônimas, o documento de criação é o estatuto social, levado a registro nos órgãos competentes) criar requisitos para exercer o cargo de Conselheiro. Os membros da Diretoria devem ser remunerados e se dedicar à S/A desportiva com exclusividade. Medida mais que salutar para a profissionalização do esporte. Está mais que na hora de pararmos de contar com trabalho voluntário e falta de dedicação exclusiva dos dirigentes, não é mesmo?


O Conselho Fiscal deve ter funcionamento permanente e contar com, no mínimo, três membros. Mas é sempre importante lembrar que não pode integrá-lo pessoa empregada ou que exerça qualquer cargo no clube, inclusive eletivo.


8- Debêntures especiais

Além das ações colocadas à venda, existem outros títulos que a sociedade anônima pode criar para captação de dinheiro, para construção de um novo estádio, por exemplo, ou pagamento de dívidas. Um deles é a debênture – um título que representa um empréstimo que a sociedade faz junto a terceiros e assegura a tais pessoas direito contra a S/A - que deve ser remunerada por taxa de juros pré-fixada, não inferior ao rendimento da caderneta de poupança.


Estas outras formas de financiamento da atividade empresarial são interessantes porque costumam ser mais baratas que empréstimos bancários, por exemplo. A exigência de uma taxa mínima vem ao encontro da preocupação com torcedores apaixonados contribuírem com esta captação de recursos, sem que houvesse uma projeção viável de retorno.


Uma forma interessante e criativa seria combinar uma taxa fixa com uma variável. Os autores do projeto trazem um exemplo: uma determinada debênture pagando taxa de 9% ao ano, e um percentual de 4% da renda líquida de jogos sob mando do time no mesmo ano. Isto asseguraria um retorno ao investidor, de modo parecido ao de poupança ou certos fundos, porém, igualmente, abriria a perspectiva de se obter ganho complementar, ligado ao desempenho do time e à capacidade de atração de sua torcida. Em resumo: o torcedor poderia ganhar com o sucesso e resultados de seu clube.


9- Programa de desenvolvimento educacional e social

Também pensando no esporte como exercício de um direito fundamental e elemento de integração social, o projeto criou um programa pelo qual a S/A desportiva poderá, por convênio, estabelecer, com instituições públicas de ensino, medidas em prol do desenvolvimento da educação por meio do esporte.

Pretende-se incentivar a assiduidade de crianças e jovens matriculados em escolas públicas; o envolvimento e interesse dos alunos nas atividades promovidas pela escola; possível formação de jovens atletas.


Este foi um passeio panorâmico pelos principais tópicos desta possível nova figura societária brasileira. De modo geral, falamos sucintamente de diversos tópicos que podem ser melhor tratados em momentos posteriores, como: (i) forma de constituição e capital social; (ii) acionistas, ações e debêntures especiais; (iii) deliberações; (iv) demonstrações financeiras, Conselho de Administração, Diretoria e Conselho Fiscal; (v) programa de desenvolvimento educacional e social.


Acompanhemos as tramitações dos projetos (é péssimo que haja três proposições simultâneas; vejamos qual se sobressai). Ainda há muito a ser discutido, aperfeiçoado e ajustado. Esperamos que este primeiro passo rumo à modernização, à semelhança do que ocorreu e vem ocorrendo em outros países, seja mais um largo passo rumo à saúde financeira, mais transparência e gestão profissional do esporte brasileiro!


Gabriela de Cássia Moreira Abreu

Advogada, Mestra em Direito (PPGD/UFPA), cursando especialização em Gestão do Esporte e Direito Desportivo (FBT/INEJE). Professora universitária (Direito Empresarial). Mediadora judicial (TJPA/ESMPA).


REFERÊNCIAS: Anteprojeto de Lei Geral do Futebol. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/…/previa-do-anteprojeto-da-lei-do…

CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; MANSSUR, José Francisco C.; GAMA, Tácio Lacerda. Sociedade Anônima do Futebol: exposição e comentários ao projeto de lei 5.082/16. São Paulo: Quartier Latin, 2016.

Decreto-Lei n.º 10/2013, de 25 de Janeiro (Portugal). Disponível em: http://www.idesporto.pt/ficheiros/file/DL_10_2013.pdf

Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6404compilada.htm

Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro (Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto - Portugal). Disponível em: http://www.idesporto.pt/ficheiros/file/Lei_5_2007.pdf

Projeto de lei nº 5.082, de 24 de abril de 2016, da Câmara dos Deputados. Disponível em: http://www.camara.gov.br/…/prop_mostrarintegra;jsessionid=2…

Projeto de lei nº 68, de 8 de março de 2017, do Senado Federal. Institui a Lei Geral do Esporte. Disponível em: http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=5070182

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