A necessidade de estipulação de um piso salarial específico para os futebolistas brasileiros
- Laerte Tássio
- 17 de abr. de 2017
- 3 min de leitura

Cada vez mais, com o passar do tempo, vem caindo o mito que todo atleta de futebol é, necessariamente, bem-sucedido profissional e economicamente.
Para que um atleta em formação seja profissionalizado é necessária a passagem por um funil estreito. Quando ele chega lá, para sua desventura, depara-se com uma desigualdade e gargalo ainda mais difíceis: quatro de cada cinco jogadores recebem como contraprestação cerca de um salário mínimo mensal. No âmbito internacional, a situação é apenas um pouco melhor: 45% dos atletas recebem menos que mil dólares mensais, enquanto 21% chega a receber menos que trezentos dólares ao mês.
Levando em conta que os atletas passam o maior período de suas idades ativas (de 15 a 65 anos de idade) na prática esportiva, iniciando a formação ainda jovens, vindo a retirarem-se quando estão próximos de completarem 40 anos, ademais de algumas vezes não receberem o devido suporte educacional na formação, deixando a juventude de lado, como também sofrendo lesões e traumas que podem vir a acompanhá-los por toda a vida, vem sendo regulado, por vários entes da família do futebol, um valor mínimo a título de parcelas de contraprestações devidas pelos empregadores (clubes) aos empregados (atletas) em função dos contratos especiais de trabalho desportivo.
A Bulgária, que tem seu salário mínimo nacional estipulado em 460 lev (aproximadamente 785 reais), por meio de sua liga nacional, federação e associação de jogadores, diz que atletas que participem da primeira divisão do futebol nacional não podem receber menos que 1.300 lev, enquanto os participantes da segunda divisão não podem receber menos que 650 lev. Na Costa Rica, atletas da primeira divisão não podem receber menos que 590 dólares americanos, enquanto os da segunda tem o mínimo estabelecido em 480 dólares americanos.
A Argentina, com sua complexa forma de organizar as divisões de futebol no país, também prevê um vencimento mínimo para o futebol. Na Argentina os clubes são divididos em metropolitanos e federais. Os metropolitanos são os filiados diretamente à AFA, são os clubes de Buenos Aires e cercanias juntamente dos quatro clubes de Rosário. Os federais são os clubes do resto do país, filiados a ligas regionais (mais ou menos como no sistema associativo brasileiro). Dos cinco níveis ou divisões lá existentes (Primera A; Primera B Nacional; Primera B Metropolitana e Torneo Federal A; Primera C Metropolitana e Torneo Federal C; Primera D e Torneo Federal C), apenas a Primera A, Primera B Nacional, Primera B Metropolitana, Torneo Federal A e Primera C são categorias profissionais. Um jogador da Primera A deve receber, no mínimo, 16.400 pesos (aproximadamente 3.400 reais), um pouco mais que o dobro do salário mínimo vigente naquele país. A Primera B Nacional deve pagar ao menos 13.700 pesos. Primera B e Torneo Federal A, categorias de mesma divisão, como dito anteriormente, devem pagar ao menos 11.300 pesos. Por fim, a Primera C tem uma retribuição pecuniária básica de 9.800 pesos.
Na Espanha foi firmado convênio coletivo, válido até o fim da temporada 2019-2020, pela Liga Nacional de Fútbol Profesional e Asociación de Futbolistas Españoles. Um futebolista de primeira divisão deve receber no mínimo 155.000 euros anuais (aproximadamente 43 mil reais mensais), já os jogadores da segunda divisão têm o básico estabelecido em 77.500 euros anuais.
Vale constar que a CBF não permite que um jogador seja registrado em seu sistema interno (Gestão Web) como recebedor de quantia inferior a um salário mínimo vigente no Brasil. Também, a Consolidação das Lei Trabalhistas, a partir de seu art. 76, regula essa proteção (sendo o atleta profissional um trabalhador, ressalvadas suas particularidades). Todavia, a entidade gestora do futebol brasileiro poderia ir além e estipular um valor mínimo específico um pouco maior para a categoria, levando em conta as várias peculiaridades do exercício da prática do futebol, abstenções e curta carreira (com consequências futuras, inclusive, físicas), como já fazem outras entidades mundo afora. A Entidade de Administração Desportiva estabelecendo isso, também, não geraria nenhuma discussão como a possivelmente existente caso o Estado estipule isso por meio de lei, que o princípio da autonomia desportiva de funcionamento prevista no art. 217, I, da CF/88 iria ser ferido). As associações brasileiras de atletas e os sindicatos de atletas de futebol também devem ter participação, fazendo-se mais presentes, podendo reivindicar o ajuste desse direito.
Laerte Tássio Oliveira Silva
Advogado; pós-graduando em Gestão do Esporte e Direito Desportivo; membro do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol de Alagoas e da Comissão de Direito Desportivo da OAB/AL.
REFERÊNCIAS:
CBF. Raio-x do futebol: salário dos jogadores. Disponível em: <http://www.cbf.com.br/…/raio-x-do-futebol-salario-dos-jogad…>.
FIFPro. 2016 FIFPro Global Employment Report. Disponível em: <https://fifpro.org/…/2016%20FIFPro%20Global%20Survey%20-%20…>.
FIFPro. Bulgaria lifts minimum wage for footballers. Disponível em: <https://www.fifpro.org/…/bulgaria-lifts-minimum-wage-fo…/en/>.
FIFPro. Costa Rica: minimum wages for footballers. Disponível em: <https://www.fifpro.org/…/costa-rica-minimum-wages-for-…/en/…>.
Futbolistas Argentinos Agremiados. Nueva escala salarial. Disponível em: <http://www.agremiados.com.ar/faa/notas/2016/…/03/563938.html>.
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