Sim ao futebol moderno! Uma aposta certeira
- Convidado
- 10 de abr. de 2017
- 4 min de leitura

*Texto selecionado entre os cinco melhores no I Concurso de Miniartigos organizado no Facebook.
Polokwane, África do Sul, primeiros dias do mês de novembro de 2016. No estádio Peter Mokaba, o selecionado nacional de futebol daquele país enfrentava a equipe de Senegal, em partida válida pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2018. Aos 40 minutos da etapa inicial, depois de jogada pelo lado direito do ataque do time mandante, a bola é alçada na área e o centroavante bafana bafana, Eleanzar Rodgers, tenta uma cabeçada. A ação, contudo, é interrompida pelo zagueiro senegalês Koulibaly, que consegue desviar a redonda com sua perna esquerda, em direção à linha de fundo. Em uma decisão inexplicável – ao menos naquele momento -, Joseph Odartei, árbitro da partida, assinala pênalti em favor da equipe sul africana, sob a justificativa de um toque de mão do atleta de Senegal. A penalidade resultou no primeiro gol da África do Sul, que saiu vencedora do confronto pelo placar de 2 a 1. A imagem do erro de Odartei circulou por noticiários esportivos ao redor do mundo como mais uma falha grave de um árbitro de futebol. Ocorre que, investigações posteriores – impulsionadas por protestos da Federação de Futebol da seleção prejudicada – apontaram para violação do artigo 69 do Código Disciplinar da FIFA por parte do mediador da partida relatada, influenciando deliberadamente o resultado da contenda, por meio de transgressão aos valores éticos protegidos pela Federação Internacional.
Tal acontecimento não foi o primeiro do gênero na modalidade. Atuações de árbitros em desacordo com princípios éticos, visando a produção de determinados resultados em jogos de futebol são manchetes comuns neste universo, quase sempre relacionadas à atividade de apostadores. A “Máfia do Apito”, esquema produzido e desvendando no Brasil em 2005, é um célebre exemplo do descrito anteriormente.
A manipulação de resultados é uma grande ameaça à integridade do esporte, destacando esforços não somente da entidade máxima do Futebol e suas filiadas, mas também órgãos policiais como a Interpol em ações contra estes acontecimentos. Além de antigos projetos cooperativos entre os institutos citados, a FIFA possuí uma sólida base legislativa a fim de preservar a integridade do esporte. Nos três principais textos de regras da organização no que tange aos valores éticos e condutas desejadas no contexto do futebol profissional – Código Disciplinar, Código de Ética e Código de Conduta -, é possível observar previsões de penalidades severas a qualquer indivíduo que participe de algum processo de manipulação de resultado. Neste sentido, destaca-se o artigo 62 do Código Disciplinar citado, que prevê multas e até banimentos do esporte para indivíduos enquadrados em atos de corrupção ativa ou passiva no futebol.
Pelo exposto, pode-se aferir que a estrutura de combate à manipulação de resultados no futebol dispõe dos mais eficientes métodos investigativos e remédios legais para inibir tais atitudes. A discussão sobre a temática, contudo, ganha nova dimensão, jamais vista, com certo elemento introduzido na modalidade recentemente: o árbitro de vídeo.
Entre testes desastrosos – como no Mundial de Clubes de 2016 – e experiências bem sucedidas – exemplo da última semana de março de 2017, no embate amigável entre França e Espanha -, o recurso de vídeo para auxílio das decisões da arbitragem está sendo lentamente introduzido em partidas da modalidade. Apesar dos esforços de várias federações nacionais em conjunto com a FIFA, a ferramenta enfrenta resistência de uma porção considerável de integrantes do universo do futebol profissional, sejam dirigentes, jornalistas ou torcedores, muitas vezes apoiados em argumentos conservadores, sentimentais e distantes da prática, como a ideia de que o auxílio do vídeo iria prejudicar em demasia a fluidez do jogo – salienta-se que, no caso citado entre França e Espanha, a interrupção mais longa para o uso do recurso não durou mais de que 45 segundos.
O fundamento mister para a implantação imediata do árbitro de vídeo no maior número de competições possíveis defendido aqui – o recurso estará presente em algumas competições organizadas pela FIFA e na próxima edição da Copa da Inglaterra – é justamente o trabalhado nas primeiras linhas deste texto: a manutenção da integridade do esporte e combate à ações como a manipulação de resultados.
O auxílio do vídeo é instrumento único à preservação da higidez, da lisura do resultado de uma partida e, consequentemente, do futebol. Certamente, ainda haverá espaços para interpretações arbitrais mal intencionadas, mas o artifício da verificação da imagem pelo mediador do jogo reduz o espaço para decisões capitais sobre o jogo extremamente distantes do que de fato ocorreu. Levando tal realidade ao acontecido na disputa entre África do Sul e Senegal, é inegável que a revisão do lance pelas imagens derrubaria qualquer justificativa de erro na interpretação, mal posicionamento do juiz no momento do lance, ou outro aspecto que mascarasse a real motivação da decisão, sendo o senhor Odartei compelido à deliberar de acordo com as imagens. Em uma maior escala, esse cenário inibiria a própria ação daqueles que procuram árbitros de futebol para forjar algum resultado, cientes das dificuldades que estes encontrariam ao aplicar medidas desproporcionais em relação ao andamento de determinada partida e as exacerbadas suspeitas que referidos julgamentos iriam levantar caso sustentados.
Destarte, o árbitro de vídeo é muito mais que uma ferramenta que corrige decisões equivocadas. É um recurso indispensável ao combate de ações que violentam o estipulado como correto pela organização máxima do futebol, uma maneira de resguardar todo corpo legislativo da FIFA e sua efetiva aplicação e, sobretudo, garantir a integridade de partidas de futebol, satisfazendo todos aqueles que permeiam o evento.
Não existe nada mais perverso ao jogo que tantos amam do que descobrir que naquele dia que milhares concentraram suas energias, e muitas vezes o seu dinheiro, para acompanhar, sofrer e se alegrar, tudo não passou de uma farsa, algo que já estava decidido muito antes do apito inicial, e não pela ação de 22, mas sim por desvios de 2 ou 3. O futebol clama por ajuda, pela modernização, pela defesa da lei e da ética na modalidade.
Rafael Pretel
Advogado, graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná e membro do grupo de Direito Desportivo da mesma instituição.
REFERÊNCIAS:
CARPENTER, Kevin. Match-fixing. The biggest threat to sport in the 21st century? Disponível em: <https://www.interpol.int%2FMedia%2FFiles%2FINTERPOL-Expertise%2FIGLC%2FMatch-fixing-biggest-threat&usg=AFQ>
FÉDERATION INTERNATIONAL DE FOOTBALL ASSOCIATION. FIFA Disciplinary Code, 2013. Disponível em <http://resources.fifa.com/…/docum…/affederation/administration/50/02/75/discoinhalte.pdf>.
FÉDERATION INTERNATIONAL DE FOOTBALL ASSOCIATION. FIFA Statue, 2015.. Disponível em: http://www.fifa.com/mm/Document/AFFederation/Generic/02/58/14/48/2015FIFAStatutesEN_Neutral.pdf>
INTERPOL. Integrity in sports. Disponível em:<https://www.interpol.int/…/Crimes-in-spo…/Integrity-in-sport.>
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