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A morte do torcedor são-paulino: de quem será a responsabilidade?

  • Felipe Tobar
  • 26 de mar. de 2017
  • 6 min de leitura


Na tarde de hoje, momentos antes do início do clássico – com torcida única por recomendação do Ministério Público de São Paulo – disputado entre São Paulo e Corinthians, o torcedor do São Paulo, Bruno Pereira da Silva, caiu do anel superior do Morumbi quando se desequilibrou, ao tentar pular da arquibancada amarela para a vermelha.


Mesmo sendo atendido imediatamente por paramédicos contratados pelo clube paulista e encaminhado ao hospital, minutos após o término da partida as grandes mídias noticiaram o falecimento do torcedor em decorrência de múltiplas lesões no cérebro, da fratura exposta na perna e de paradas cardiorrespiratórias.

É de conhecimento público que as atividades e os espetáculos desportivos despertam diferentes sensações entre os seus seguidores. Via de regra, considerados como sinônimos de divertimento e de merecido lazer, infelizmente, acabam também por produzir conflitos e comportamentos indesejáveis que somente o Direito é capaz de resolver.


Com efeito, antecipando o que o debate popular e os jornais esportivos suscitarão, ainda que de forma breve, com amparo no Estatuto do Torcedor e em específico julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, buscaremos lançar algumas luzes sobre a responsabilidade civil na órbita de uma partida de futebol, procedendo notadamente sobre a morte do torcedor são paulino.


Quem, afinal, deverá ser considerado responsável pelo falecimento deste jovem torcedor? O São Paulo Futebol Clube, a Federação Paulista de Futebol, as forças de segurança representando o Estado, ou o próprio torcedor?

Segundo o Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, responsabilidade é: “Obrigação, por parte de alguém, de responder por alguma coisa resultante de negócio jurídico ou de ato ilícito”.


Já para a ética, a responsabilidade civil nasce da noção de que um indivíduo deve assumir seus atos, reconhecendo como autor dos mesmos e aceitando suas consequências, sejam positivas ou não, estando, por conseguinte, preparado para o elogio ou a censura.

No âmbito do Direito, o instituto da responsabilidade civil, supõe que toda aquela pessoa, física ou jurídica, que por ação ou omissão cause dano a um terceiro, intervindo culpa em suas três modalidades (negligência, imperícia ou imprudência) – responsabilidade subjetiva, ou por estar submetido à vontade do legislador ou por realizar uma atividade que costuma gerar riscos aos direitos de terceiros (Teoria do Risco) – responsabilidade objetiva, tem a obrigação de reparar os prejuízos ocasionados mediante a recuperação ou substituição de um bem atingido e/ou de indenizar economicamente o lucro cessante, o dano emergente e os danos morais.

Ainda, indispensável que em ambas as modalidades quede cristalino o nexo de causalidade, entre o fato ilícito e o dano por ele produzido.


Cumpre ressaltar que quando tratamos da comentada responsabilidade civil no âmbito espacial dos espetáculos desportivos profissionais, como é o futebol, têm-se como inequívoco que não podemos apenas nos ater as bases previstas no Código Civil de 2002, haja vista as inúmeras peculiaridades que permeiam o futebol enquanto atividade econômica, social e também cultural. Inclusive, nesse particular, quando fora possível colaborar com a revista peruana de Direito Desportivo, Philos Iuris, alertamos:


há também e, quiçá, com maior profundidade, que se atentar ao que se encontra descrito no ‘Estatuto de Defesa do Torcedor’ e subsidiariamente no ‘Código de Defesa do Consumidor’ , sem deixar ainda, quando tratarmos de partidas da Copa do Mundo, de nos valermos das disposições da Lei Geral da Copa (12.663/2012), posto que, ainda que de vigência temporária, modificou, segundo variados autores, as bases da responsabilidade civil no universo das partidas de futebol.


Sem embargo, é importante ressaltar, apenas para que não se atemorizem os civilistas, que apesar da especificidade desportiva acarretar inúmeras particularidades previstas nas legislações aplicáveis à matéria, não deixam também de ser aplicados para os eventos danosos gerados em ocasião dos espetáculos desportivos alguns dos institutos do Código Civil, como costuma ocorrer com as excludentes (caso fortuito e força maior; culpa exclusiva da vítima; culpa concorrente; fato de terceiro; estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de um direito constituído, cláusula de não indenizar e prescrição).


Nesse ponto, a morte do torcedor tricolor parece se ajustar legalmente a típica situação de “fato ou culpa exclusiva da vítima”, o que resultaria na inexistência de responsabilidade do São Paulo Futebol Clube ou do Estado, representado pelas forças de segurança.


Quanto a essa e outras excludentes, a legislação brasileira adota o critério geral de vigência de responsabilidade civil prevista no Código Civil. Segundo os juristas platinos Alterini; Ameal e Lopez Cabana: “a vítima deve suportar o dano sofrido por ela mesma em razão de sua culpa. Esta culpa opera como uma causa estranha ao ato provocado pelo autor (concausa), que suprime ou desvia o curso dos eventos e acarreta uma relação causal própria que permanece alheia a responsabilidade de dito autor” (tradução livre).


A solução legal é, por varias razões, lógica para Barbieri, quando aponta que: “a imperícia, negligência ou imprudência da vítima não pode gerar responsabilidade para o autor de evento no qual se encontra presente este importante “ingrediente” na conduta do sujeito atingido” (tradução livre).


Como se percebe, o fato ou culpa exclusiva da vítima (in casu, o torcedor do São Paulo) exime a responsabilidade dos organizadores porquanto o dano não é produzido pelo risco do espetáculo desportivo, senão que pela própria conduta do danificado, que incide causalmente, de modo total ou parcial, na produção do resultado.


Dita excludente já foi alvo de discussão no colegiado do Tribunal de Justiça de São Paulo, curiosamente, em fato ocorrido nas grades de divisão de setores do Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi.


Responsabilidade civil. Danos materiais e morais. Espectador que, no estádio de futebol, estando alcoolizado, ao intentar passar até o outro setor das arquibancadas, acaba se ferindo gravemente sobre a grade de proteção. Fato exclusivo da vítima, que não estabelece qualquer nexo de causalidade com a conduta dos organizadores, equiparando-se a fortuito externo, excludente do nexo de causalidade, culpa exclusiva da vítima reconhecida.


Nessas condições, não tendo existido nexo causal, ou seja, ausente um dos elementos da responsabilidade civil, não houve o que se falar em indenização por danos morais e materiais ao torcedor, reconhecendo-se, por consequência, a culpa exclusiva do torcedor que inadvertidamente intentou a mudança de setores.


Inobstante ao fato de estar ou não alcoolizado, o torcedor que veio a óbito na tarde de hoje, consentiu com o risco de queda ao tentar pular para outro setor da praça esportiva. Daí que, reforçamos, em análise primária, poderão os organizadores da contenda esportiva – SPFC e Federação Paulista de Futebol -, corresponsáveis de acordo com a dicção do artigo 19 do Estatuto do Torcedor, se valer desse precedente buscando a isenção de toda e qualquer responsabilidade no âmbito civil.


Haverá, no entanto, quem advogará pela existência de responsabilidade de tais organizadores, em razão da teoria do risco alhures ventilada, a qual poderá ser agravada caso se aceite o argumento de que, sobretudo o clube, teria operado com negligência, ao se omitir em determinar o deslocamento imediato de seguranças privados para as divisões de setores, de modo a conter os torcedores, como o que veio a óbito, que incessantemente pulavam as grades e vidros de acrílico para lograrem a mudança dos setores. Para analisar as imagens acessar: http://globoesporte.globo.com/sp/futebol/campeonato-paulista/noticia/2017/03/homem-cai-do-anel-superior-do-morumbi-ao-tentar-trocar-de-setor.html


Por fim, com base nos mesmos argumentos, porém, mediante a invocação do artigo 14, I do Estatuto do Torcedor, poder-se-ia se sustentar eventual responsabilidade das forças de segurança, representadas judicialmente pelo Estado de São Paulo, pois, responsáveis pela incolumidade física dos torcedores, dentro ou nas adjacências da praça esportiva.


Como se percebe, e é imprescindível que se quede claro, que o presente artigo apenas antecipa, em um exercício futurologista, as responsabilidades civis dos envolvidos, não lançando insinuações sobre como realmente às condutas foram realizadas.


Isto fica claro, por exemplo, quando alegamos que provavelmente o São Paulo Futebol Clube pode ter sido omisso em não acionar os seus seguranças, momento em que já era grande a movimentação de seus torcedores nos espaços das divisões de torcidas.


Certo é que tão somente com a cooperação das partes envolvidas, e, sobretudo, com o auxílio de perito criminal, será possível realizar a colheita de provas para finalmente chegarmos a definição dos sujeitos legalmente responsáveis por esta infeliz morte.

Felipe Bertazzo Tobar

Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade pela Univille. Advogado desportivo. Membro do Departamento Jurídico do Joinville E.C. Professor da pós-graduação em Direito Desportivo da FMU/SP. Autor de obras e artigos científicos.

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