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Mulher, Discriminação e Constituição

  • Raísa Bonatto
  • 10 de mar. de 2017
  • 3 min de leitura


Há uma batalha em todos os campos onde a mulher se relaciona com o esporte. Nesses campos, onde a vitória feminina significaria a derrota do preconceito e do assédio, cada vez mais avançamos contra estes adversários. Porém, não o suficiente.

A torcedora entra no estádio Major Antônio Couto Pereira. “Gostosa”. Ela torce para o Coritiba. “Delícia, hein?”. Ela vai ao estádio desde pequena. O jogador de seu time cruza a bola na área, mas estava impedido. “Que fofa, fala até ‘impedimento’”. O camisa 9 perdeu um gol feito. “Tão bonita falando palavrão?”. Sabe todas as regras, conhece os atletas, os esquemas táticos, a preferência do técnico. Isso, pra ela, é fácil. Difícil é encontrar uma camisa feminina do seu time. Impossível é não ser assediada no estádio.

A repórter entra em cena ao vivo no programa GloboEsporte. “Ela cortou o cabelo ou mudou a maquiagem?”. Deu as informações sobre a partida entre Cruzeiro e Atlético Mineiro. “A voz dela é muito grossa”. Fez faculdade de jornalismo na Universidade Federal de Minas Gerais. “Será que ela escreveu esse texto? Mulher não entende dessas coisas”. Estudou os fatos, preparou o local da gravação, orientou o cinegrafista e impostou a voz. Isso, pra ela, é fácil. Difícil é se tornar manchete da coluna de fofocas cada vez que entra ao vivo. Impossível é não ser subestimada por ser mulher.

A atleta profissional entra em quadra pelo Rio de Janeiro Vôlei Clube. “Como ela treina tanto e continua com celulites?”. É a maior pontuadora do campeonato nacional. “Ela parece um homem jogando”. Ganhou prêmio em dinheiro por ser a MVP da liga mundial pela seleção brasileira. Metade do prêmio na categoria masculina. Nunca falta treinos, cuida da saúde, mantém o alto rendimento, tem o menor índice de erros de passe do campeonato. Isso, pra ela, é fácil. Difícil é não associarem sua qualidade técnica à masculinidade. Impossível é não ser julgada por sua habilidade, mas sim por sua vaidade.

A advogada especialista em direito desportivo tem uma sustentação no Tribunal de Justiça Desportiva de futebol de seu estado. “Essa saia no joelho não é muito curta?”. É a única mulher no recinto. O auditor conversa com seu colega enquanto ela faz a defesa de seu cliente. “Não me convenceu”. Como se julgamentos fossem sobre convencimento, não sobre fatos e a lei. Ela é formada na PUC de São Paulo, fez mestrado, estuda todos os dias, até nas horas vagas. Isso, pra ela, é fácil. Difícil é engolir a falta de critério em diversos julgamentos. Impossível é não ser subestimada, mesmo com a melhor qualificação.

A discriminação e o preconceito contra mulheres recuaram muito no esporte no passar dos anos. Porém, conhecendo os fatos, as dificuldade e impossibilidades de nossa realidade, é nítido que estamos longe vencer esta guerra.

A Constituição da República de 1988, o texto que traduz as demandas sociais estabelecidas democraticamente no Brasil, impõe como objetivo fundamental da República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” Ela também prevê em seu art. 5°, I, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.

Como veremos nas próximas publicações na página, é na Constituição que se garantem as relações democráticas entre o Estado e a Sociedade e, por isso, é ela parâmetro e o ponto de partida de todo o restante do sistema jurídico. Assim, precisamos vê-la como constante em todos os aspectos da vida. Nos tribunais, claro, mas também nos estádios, nas quadras, nos programas esportivos, nas faculdades de direito, nas arquibancadas.

Com estes dispositivos, ela nos arma na luta contra o preconceito e mostra que a discriminação ainda existe. O assédio contra torcedoras, o desprezo contra advogadas e jornalistas e o preconceito contra atletas de alto rendimento são um fato e uma injustiça incoerentes com o texto constitucional.

Cabe a cada um de nós, não só aos tribunais, desafiar os padrões que discriminam e assediam as mulheres tornando inexistentes as dificuldades e possíveis as impossibilidades enfrentadas por cada uma no esporte e no Direito.


Raísa Chuchene Bonatto Mulher, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, fundadora do Grupo de Direito Desportivo da UFPR, trabalhou no Coritiba Foot Ball Club e no Ministério Público Federal.

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